quarta-feira, 17 de abril de 2013

O meu Avô

A minha filha é uma felizarda por poder usufruir de quatro avós. Quatro!!! É isso mesmo. Quatro avós que brincam, que interagem, que mimam, que protegem e que a deixam fazer algumas asneiradas. Eu também tive avós mas a minha relação mais especial foi com o meu avô materno que deixou na minha memória lembranças muito intensas, que jamais se apagarão. Era um avó como todos os outros: brincava com os netos, defendia-os, protegia-os, mimava-os, acarinhava-os. Era um homem grande, forte, altivo, de traços bem marcados pelo tempo mas com uma expressão doce e um sorriso simpático. Falava com a sabedoria de quem já tinha vivido uma vida, de quem já muito tinha passado.

Recordo-me de muita coisa, que fiz com o meu avó. 
Lembro-me de ir à missa com ele, de braço dado, sempre de passo certo, e que ele fazia um passo diferente para ver se eu me enganava, mas era tal a cumplicidade que eu acertava sempre.
Lembro-me de ele me levar às procissões da aldeia e lá ia eu de veste branca e argolas na cabeça, a fazer de anjinho, sempre ao seu lado.
Lembro-me de ele me ter feito um balancé só para eu andar e depois passávamos horas naquilo: eu no balancé e ele a empurrar para ver se eu tocava com os pés no beiral da casa.
Lembro-me de jogar às cartas com o meu avô. Ele todas as tardes fazia a sesta e depois eu batia à porta, suavemente com os dedos e ele dizia "Pode entrar!" e lá ia eu. Inicialmente só jogávamos ao burro mas um dia ele cansou-se e disse "Vou-te ensinar um jogo!" e ensinou-me a jogar à sueca. Então todas as tardes era um fartote de cartas.
Lembro-me de fazermos os dois malandrices aos gatos lá de casa.
Lembro-me de me contar anedotas picantes e lengalengas.
Lembro-me de me ter ensinado a rezar.
Lembro-me de contar histórias da vida dele.
Lembro-me de ter uma namorada (nesta fase já era viúvo) e perguntar-me o que é que eu achava dela.
Lembro-me de eu e uma amiga minha termos tentado casar os nossos avós mas a coisa não deu certo.

Tudo isto corria bem, até que um dia, o meu avô, que tinha algumas doenças, nomeadamente a diabetes e outras coisas mais que não me lembro bem, começou a queixar-se com muitas dores no corpo. Ainda me lembro dele, debruçado sobre uma mesa, a lamuriar-se que não aguentava as dores, que se sabia o que tinha matava-se. Na altura não compreendi bem. Não me apercebi da verdadeira dimensão dos factos. Foi então que a minha mãe, um dia à noite, chamou-me a mim e ao meu irmão e disse-nos para nos irmos preparando, que o nosso avó ía morrer, que estava canceroso, que já tinha passado para os ossos, que nada havia a fazer. Eu não queria acreditar. Começámos os dois a chorar, a soluçar. Como era possível? Queria que o meu avô vivesse mais tempo, eu só tinha doze anos. Porquê privarem-me desta presença que eu gostava tanto.

E ele acamou. Lembro-me de todos lá em casa ajudarem a dar banho ao avô. Lembro-me de ele ter começado a tomar morfina. Lembro-me dele às vezes variar, não dizendo coisa com coisa. Lembro-me de que me levantava todos os dias um pouquito mais cedo, para antes de ir para a escola, poder estar com o meu avô e despedia-me sempre dele, com dois beijos. Lembro-me à noite, antes de ir deitar, fazer o mesmo, ir ao quarto dele, tagarelar com ele, desejar-lhe sempre boa noite com dois beijos. E isto assim, uns poucos de meses.

Até que um dia, na véspera do último dia de aulas (em que ia haver grande festarola), antes de me ir deitar, depois de estar um pouco com ele, só lhe dei um beijo e ele disse-me: "Dá-me outro!". E eu lá lhe dei... No dia seguinte, quando ia para ir ter com o meu avô, os meus pais e irmão estavam a sair do quarto e disseram para eu não ir lá que o avô estava a dormir, a descansar. Como estava entusiasmada com a festa na escola, não reparei nas expressões deles, nem desconfiei de nada. Às quatro da tarde, vi o meu irmão na escola e não foram precisas palavras, eu li-lhe o rosto. Fui pelo caminho a chorar. Aquela presença tão viva tinha ido embora para sempre e eu sem saber tinha lhe dado um último beijo suplicado pelo próprio na véspera. Não consigo escrever esta história, sem que as lágrimas me caiam pela face. Fica a saudade e a lembrança eterna...

7 comentários:

  1. Estouvadita, este texto é lindo...!Inspirador!Uma verdadeira homenagem a quem nos ama incondicionalmente!

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  2. PARABÉNS pelo texto e pela forma como sentes a Vida!

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    1. Muito Obrigado!!! São apenas pequenas passagens da vida que marcam...

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  3. Os meus avos maternos tb foram como pais para mim! Sinto cada palavra do teu texto no coração que ainda salta pela boca de saudades

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    1. São as nossas raízes mais profundas que nos marcam! E os avós são sem dúvida um grande pilar numa família!!!

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  4. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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